Crônicas de Doherimm
Dia do Duelo, 1410
Fim da tarde
Jorj é o dono de uma das mais populares tavenas de Doher... Seu estabelecimento poderia ser maior e mais lucrativo se não fosse tão pequeno e simples. Mas Jorj é um sujeito simples. Um anão criado em uma família tradicional devota a Heredrimm (como é chamado Khalmyr pelos anões), mas que nunca foi muito de religião. Não que seja ateu também, mas não é muito devoto de ninguém... Apenas de si mesmo e de seu conforto. Pelo mesmo motivo, Jorj prefere evitar confusões e só vende informações sobre clientes se a oferta for muito boa e de poucos riscos.
- ...
- Uma última cerveja por favor, Jorj.
- Claro.
- Por quê essa cara?
- Ah, não é nada. Só achei que estivesse com sua mira naquele tio esquisito do grupo do lagarto.
- E estou - O sujeito encapuzado toma um gole da cerveja que Jorj o serve.
- Bem, não é da minha conta... Só achei estranho você não tentar segui-los e continuar aqui bebendo sem pressa.
O sujeito soltou uma gargalhada.
- Eu estou seguindo-os, Jorj.
O taberneiro não entendeu, mas decidiu que estava metendo o nariz onde não era chamado e não perguntou como ele poderia segui-los dali, sentado na mesa do bar. Em vez disso, fez uma pergunta menos invasiva para o cliente:
- Se você está caçando aquele sujeito, Bill... Quer dizer que ele é um mago, certo?
- Sim. - Bill Bones tomou outro gole de cerveja, dessa vez com a expressão séria. - Consigo farejar um maldito usuário de magia a quilômetros de distância. E o fedor daquele grupo me faz acreditar que há mais de um. Os outros são mais espertinhos e tentam não chamar a atenção... Mas todos eles estão envoltos em algum tipo de magia. Exceto o lagarto. Aquele parece que só foi tapeado por eles.
- Todos aqueles anões são magos? Eu nem mesmo sabia que havia tantos da nossa raça capazes de aprender esses truques dos humanos e elfos.
- Talvez não todos. E talvez nem sejam anões.
Jorj não conteve uma risadinha:
- Ora, meu velho Bill, não exagere. Não-anões em plena capital de Doherimm? Besteira.
- Não subestime o quanto magos podem ser traiçoeiros, Jorj.
O taberneiro parou de sorrir, mas continuou achando que o velho Bones havia pirado da cabeça "deve ter topado com um mago da tormenta e ficado demente...", pensou.
- Bem... - O Caçador de Magos ergueu-se enquanto virava o resto do conteúdo de sua cerveja - ...é melhor eu ir me preparando. Até mais, Jorj.
- Boa sorte, Bill. Tome cuidado com aqueles caras. Vi um deles matar uns seis num piscar de olhos, literalmente.
- Seis, hein? Hahaha... - E saiu rindo, deixando Jorj sem entender a graça.
"Com certeza ficou demente..."
Tirag 2 sob Salizz, 1410.
Não é incomum que tipos estranhos apareçam em tavernas. Mesmo em grandes metrópolis como Doher... Diabos, talvez as maiores cidades sejam as que mais abrigam tipos estranhos. Jorj sabia disso. E foi por isso que ele olhou para o sujeito de armadura avermelhada e capuz como olharia para qualquer outro cliente, ainda que todos os que estavam sentados às mesas tenham se virado para olhar a figura misteriosa que entrava pela porta e caminhava até o bar.
Alguns anões que já estavam bêbados (mesmo ainda sendo de tarde) sussurraram um pouco audivelmente demais sobre a estranheza do sujeito:
- Pra quê cobrir o rosto se usa uma armadura tão chamativa? Que idiota hahaha
- Aquilo é um brasão de Keenn marcado no ombro da armadura?
- Keenn? Você quer dizer a versão da superfície de Hullaimm? Existem devotos do deus da guerra que usam esse brasão em Doherimm? Tem certeza que enxergou direito, o brasão de Hullaimm é quase idêntico ao que usam lá fora...
- Ele claramente não é daqui, idiota... Deve ter migrado para a superfície e voltado...
Jorj pigarreou alto para os clientes desbocados enquanto o anão misterioso se sentava ao bar, próximo a ele, e pedia uma cerveja.
Depois de servido, o cliente não disse uma só palavra. E não parecia estar bebendo da cerveja também. Ficou assim por várias horas, ao ponto em que Jorj se esqueceu dele. Quando finalmente ficaram sozinhos e Jorj se preparava para fechar a casa, o cliente o fez lembrar de sua existência, assustando-o no processo.
- Jorj.
- Ai meu santo Heredrimm! Ah. É você. Ainda estava aí?... Estou prestes a fechar as portas.
- É Jorj o seu nome, não é?
Algo no tom do homem o incomodou, mas o taberneiro estava acostumado a ver sujeitos metidos e intimidadores, então não hesitou:
- Claro, não ouviu os bebuns me chamarem a tarde toda enquanto estava aí feito uma estátua?...
- Haha. Pois bem, Jorj. Me diga... Sua taverna fica num ponto um tanto estratégico na cidade para aventureiros e viajantes... Você deve ouvir todo tipo de histórias.
- ... Sim, é verdade.
- Por acaso ouviu, recentemente... Alguma notícia sobre a Tormenta?
- A calamidade da superfície...? Não é exatamente o tipo de história que se ouve muito aqui em Doherimm... - Ele fez uma cara de pensativo, como que forçando as memórias.
O homem jogou uma bolsa de dinheiro em cima da mesa:
- Para ajudar com sua memória.
Jorj tirou uma moeda e mordeu-a. Conferindo que eram reais, guardou o dinheiro e disse:
- Eu ouvi alguns rumores sobre coisas estranhas no norte do reino. Pessoas enlouquecendo, criaturas com aparência anormal... E até um maluco comentou algo sobre ter visto um monstro insetóide em um beco escuro em Thanzar - mas esse eu tenho certeza que não batia bem da cabeça.
O estranho grunhiu em desapontamento e jogou outra bolsa de dinheiro na mesa:
- Nada mais?
Dessa vez Jorj não pegou o dinheiro:
- Eu te disse... Não é exatamente o tipo de história que se ouve por aqui. Ah... Bem, aquela bruxa maldita... Acho que ouvi ela ou algum dos caras que ela segue comentando algo sobre isso... Disseram algo sem sentido como... Uma Chave? Algo do tipo. Mas acho que era só delírio daquela maluca. - Disse ele, apontando para um cartaz de procurado com o desenho de uma anã envolta em uma cobra.
Ouvindo isso, o anão de armadura abaixou o capuz e olhou Jorj nos olhos. Tinha o olhar feroz de um soldado... Não, de um general.
- Uma Chave... Da Tormenta?
- Sim. Alguma maluquice desse tipo. Quero dizer, como existiria uma chave para uma tempestade, não é? - Jorj riu. - Esse tipo de baboseira se ouve dos lunáticos
aqui o tempo todo.
- Hm... Tem razão. Mas o que foi que eles disseram sobre essa... Chave maluca?
- Nada, na verdade. Acho que a bruxa maluca estava procurando o que quer que ela achasse que era esse objeto.
- Você disse... Que ela estava acompanhada?
Vendo que o homem parecia interessado na informação apesar de ser ridícula, Jorj pega a segunda bolsa de dinheiro e diz:
- Sim. Mas informações sobre clientes são mais caras. Você entende, não quero perder movimento.
O homem pareceu irritado por um momento, mas depois sorriu. E num piscar de olhos, pegou Jorj pelo pescoço e o ergueu.
- Me fale sobre os companheiros dela. Agora.
- Ghh!! Era um grupo...ghhgh...tinha um lagarto!!
Ele pousou Jorj no chão, sem soltar seu pescoço:
- Um lagarto...? Não acredito... Aquele irritante do teleporte... Talude e Sharpblade confiaram nele?...
Jorj lacrimejava e tentava inutilmente se soltar. A força do sujeito era absurda.
- Hm... Pelo menos isso significa que ainda deve ser apenas a elite de Deheon a reter essa informação... Além de um grupo de amadores liderados por um lagarto idiota, que não é muito bom em manter a boca de seus companheiros fechada. Pois bem. Se minha concorrência é essa, não preciso me preocupar. Vou encontrar a chave antes deles...
E apertou a mão como se amassasse um pergaminho que terminou de ler. O sangue de Jorj se espalhou pela taverna deserta e manchou o chão e as paredes.
Sem cerimônia, Goddarth saiu do local e começou a caminhar para o oeste...
Morag 24 sob Salizz, 1410.
Goddarth sangrava e arfava. Escapara vivo por pura sorte: Subestimara a capacidade de um exército ligado por telepatia. O super-organismo intraterrestre o derrotara e quase o matara - pior, os malditos quase capturaram-no vivo...
- MERDA! - Ele grita, frustrado, socando a parede da caverna em que se escondia. - Malditos, quem eles pensam que são?! Me forçando a recuar antes de completar minha missão e me esconder como um rato! Keenn jamais me perdoará!
- Pelo visto você precisará da minha ajuda afinal...
- Quem diabos está--!? - Goddarth se virou sacando a espada, mas já era tarde demais:
- Praestringo... Fatuus. - Murmurou a figura enegrecida que emergiu da sombra do anão. Goddarth estava totalmente paralisado...
- Desculpe por isso. Seus reflexos são assustadores, não quero perder minha cabeça.
- M...Mlml... - Goddarth não conseguia falar devido à paralisia mágica.
- Mas vocês anões são uma raça irritante... Por um momento achei que a paralisia não iria funcionar e você cortaria minha cabeça. Certo, acho que você já se acalmou.
O misterioso sujeito gesticula com as mãos e murmura um cancelamento de magia, libertando Goddarth, que solta o ar como se estivesse prendendo a respiração, e diz:
- Como diabos você chegou até aqui? Apenas anões...
- ...entram em Doherimm, eu sei... Bem, nós já não estamos exatamente em Doherimm, não é mesmo? Mas de qualquer forma, sim, eu estive com você o tempo todo. Por ordem do senhor Kadall, eu utilizei a magia de modificação de memória em você, para que não se lembrasse que eu estava contigo. Assim você pôde agir livremente como se fosse um anão solitário voltando ao seu reino de origem... Sem saber que estava carregando um humano em sua sombra.
- Tsc... Você e seus truques com sombras. Bom, me irrita, mas não deixa de ser conveniente. Então o senhor Kadall previu até mesmo isso... Se você estava enfurnado nas sombras o tempo todo deve ter percebido o que aquela maldita rainha usou...
- Sim. É uma magia poderosa.
- Hrm. Então você a reconhece? É sequer possível passar por aquela droga?
- Sim... Não é nada fácil, mas é possível.
- ...Vamos ter que voltar naquele maldito lugar infestado de Trolls, não vamos?...
- É claro que sim.
- Merda... É melhor você voltar para a minha sombra então. Ainda tem energias?
- Eu tenho meus métodos para me manter oculto. Não se preocupe comigo. Quer que eu volte a fazê-lo esquecer que eu estou aqui?
- Hrm, eu adoraria esquecer que você existe, seu maldito, mas não quero que você mexa com a minha mente de novo. Desapareça logo antes que eu resolva usar meus "reflexos" contra o seu pescoço de novo.
- Anões... Ninguém merece.
E assim, a figura desapareceu nas sombras e Goddarth voltou a caminhar sozinho.
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